MUNDOS REFLEXIONADOS   

Negra mulher,  Mulher negra

Rosália Diogo

Jornalista, educadora municipal, membro do Conselho Municipal de Educação de Belo Horizonte e mestranda em psicologia pela UFMG

Estelitadiogo@aol.com

                         ...negras mulheres, suspendendo às tetas, magras crianças, cujas bocas pretas rega o sangue das mães: outras moças...mas nuas, espantadas, no turbilhão de espectros arrastadas, em ânsia e mágoas vãs... são mulheres desgraçadas, como Agar o foi também, que sedentas, alquebradas, de longe...bem longe vêm...

                                                      Castro Alves

Somos.Negras, mulheres. Milhões no Brasil. Seqüestradas do ventre fértil da nossa mãe, África. Forçosamente desmamadas dos seios das nossas tataravós, tetravôs, bisavós e avós, que foram lançadas nos navios assassinos. Somos. Mulheres, negras, provedores dos nossos lares, sinal da nossa resistência e vitalidade. 

Os homens, brancos e negros, reverenciam Zumbi.      Nós reverenciamos Dandara e Zumbi. Eles reverenciam Ganga Zumba e Acotirene. Nós reverenciamos Acotirene e Ganga. Somos “boazudas” para todos. A mulher “ideal” para poucos deles. Somos cantadas pelo Chico, que ora nos joga pedra, ora nos diz Bárbaras, ora nos olha nos olhos. Ora  indaga sobre nós – “Será que ela é uma estrela, será que é mentira, será que é comédia, será que é divina”? Somos, com certeza! 

Por vários motivos. As pesquisas apontam : Negras chegam a ganhar 55% menos. E acrescentam – as negras sofrem redução nos salários por uma conjunção de fatores: a discriminação racial, a dificuldade de inserção no mercado de trabalho e a baixa qualificação. Ora, somos sacrificadas, muitas vezes, para os nossos homens estudarem : companheiros e filhos. E ainda assim, por essa herança guerreira das nossas ancestrais, provemos os nossos lares por sermos mais lutadores, mais altivas, por sermos mulheres... e termos o terceiro emprego. 

Querem nos punir por possuirmos um útero e a pele negra. Nós respondemos com a resistência guerreira. Querem nos  penalizar por sermos professoras. Mas nós respondemos com a nossa participação política, crítica, consciente. As pesquisas dizem : a professora atual divide o tempo entre os alunos, os filhos e ainda, um terceiro emprego. Além disso, os dados apontam que as educadoras de Minas Gerais apresentam o maior índice de participação em movimentos sociais (70,7%). 

Vejam que formidável! Somos negras, mulheres, discriminadas pela raça e pelo gênero, e,  cabe a nós a responsabilidade e a competência para a transformação do mundo e do nosso país. Segundo as Nações Unidas, 51% da população mundial é composta por mulheres. Realizamos 70% das horas de trabalho, somando as atividades produtivas, domésticas e de gestão comunitária. No Brasil? Somos 50%; sendo responsáveis por 40% da população economicamente ativa. Já imaginaram fazermos um boicote, como estratégia de organização política? Eis a revolução ! 

Somos Margaridas, que plantam e colhem com fervor, que não se furtam à labuta.  Somos Marias , com gana, sempre.Que permanecem na luta. Somos uma legião, de tigresas, de unhas e peles pretas; de íris cor de mel, cor do céu, cor da mata, cor da raça... Somos Ana, do dique e das docas, da troca das pernas, da cama, da cana, fulana, sacana.  Somos  perfeitas, porque, igualzinho a vocês, nós  não prestamos, traiçoeiras e vulgares... 

A consciência da beleza africana nos impregna de prazer e de orgulho. Nos impulsiona a ser mais. Mais  mulheres, mais negras, mulher. O fluxo do sangue negro energiza as nossa almas, torna inebriante os nossos cheiros e os nossos  desejos de desejar...

Somos Negras. Mulheres. Tudo isso nos confere a possibilidade de  fortalecer o mundo, pois a nossa raça é a mãe da humanidade inteira.

Celebremos a nossa história, a nossa cultura, as nossas tradições.

Celebremos Chica da Silva, a negra.  

   

 

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