A
Insustentável Leveza do Software
Mário
Flecha
poeta de coração,
jornalista de formação e vive de computação na administração pública
canadense há quase dois anos. Atualmente está muito interessado no fenômeno
da e-democracia.
mflecha@telus.net
A
imaterialidade do “software” é talvez a dimensão tecnológica da metafísica.
A metamatéria, o abstrato produto da sociedade da informação. Bem de capital,
bem de consumo, extensão congelada do pensamento a se reproduzir num moto perpétuo.
Afinal, que formas tem uma idéia, um pensamento, um programa de computador?
Suas representações também
possuem a mesma característica intrínseca: a de serem filhas da abstração.
No
mundo neoliberado do agora o que é o software? Finalmente o espírito, a razão
sensível separados de um corpo com nome e história de vida, banalizados e
reproduzidos em larga escala? A resultante sofisticada do trabalho criativo
colocada em linha de produção? A própria racionalidade tornada mercadoria,
animando máquinas, definindo as formas de uma sociedade fundamentada nas leis
cibernéticas, profundamente complexa, mesmo que tal complexidade esteja nos
levando a uma maior mediocridade?
O
que os olhos não vêem o coração não compra. A indústria do software expõe
a primatíssima necessidade de tocar, cheirar, ver o objeto, ser seduzido por
sua concretude, poder exibi-lo como símbolo de “status”, enfim tê-lo como
uma coisa. O caráter incorpóreo exige a invenção
da forma para encarnar o conteúdo, ganhar lugar nas prateleiras das
lojas, adentrar o templo do consumo
dos shoppings, formar consumidores.
Sim,
somos objeto-orientados, pelo menos em nossa versão cotidiana, quando
desvestimos nossas roupagens de profissionais, cientistas, professores etc e nos
tornamos meros consumidores. A transformação do software num artigo de consumo
tão banalizado como o chicletes que
se compra na padaria da esquina é uma aventura mercadológica que, talvez também
por seu caráter imaterial, nunca venha a se registrar como a oitava maravilha
da humanidade. Afinal, não é como a muralha da China, que pode ser vista em
fotos de satélite.
Não
deixa no entanto de ser um feito de uma minoria, que dá nó em pingo
d’água, fazer com que uma maioria ávida por consumir, desde que devidamente
seduzida pela aparência, leve para casa um produto tão carente de corpo.
Foi
necessária a reconstrução de um mito (o computador e tudo o que ele
atualmente significa), o desenvolvimento de uma imprensa especializada e
fortemente ligada à indústria de software do primeiro mundo e a demolição
fantasiosa de um saber especializado, que caprichosamente mantinha as
maquininhas afastadas das mãos ávidas dos simples mortais. Tal saber carece de
identidade social e uma ética profissional, mas não é descartável em nome do
amadorismo. Seria o mesmo que advogar a prática da medicina por leigos.
Os
softwares de lazer em multimídia são a quintessência do computador como
novo meio de comunicação de massa da atualidade, a droga eletrônica de
velhos “hippies”. É nestes produtos, que têm inundado prateleiras de lojas de
informática, onde encontramos em grau mais alto este refinado uso da forma oca,
onde um pequeno CD é envolvido numa roupagem toda especial, para se encarnar em
algo palpável e comprável. O tamanho das caixas costuma ser muito maior que o
conteúdo, além de farta e coloridamente ilustradas.
Existem
softwares de joguinhos que vêm acompanhados de ursinhos de pelúcia como
atrativos, ou que oferecem artigos vários juntamente com o produto adquirido,
na busca de ocupar um lugar mais concreto e visualmente identificável.
Bill
Gates que o diga. Ele sabe que no mais das vezes, a aparência vale mais que o
conteúdo. Afinal é dele a afirmação de que, “se você não pode fazer bem
feito, faça parecer bonito”. Eis aí uma receita de sucesso em vendas, talvez
um tanto quanto inescrupulosa mas eficiente para o consumidor do tipo “me
engana que eu gosto”.
|