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“PARTICIPAR PARA EDUCAR, EDUCAR PARA PARTICIPAR”

- “Mestre Caramuru” – assim o chamaram, assim o chamam, assim o chamarão: MESTRE. Poucas pessoas recebem esse tratamento, somente aquelas que inspiram respeito, devoção, contemplação, reverencia e profundo sentimento de gratidão. MESTRES são aqueles que emanam algo misterioso e transformador. São pessoas com capacidade de tocar nossa mente, nosso coraçao e nossa alma quando dizem suas simplicidades e suas profundidades. MESTRE CARAMURU é assim!


 

 

Esta entrevista é uma espécie de homenagem (merecida, merecidíssima !). É a expressão de um desejo de reconhecer o valor de um mestre e tornar público esse reconhecimento. MESTRE CARAMURU é uma fonte incessante de inspiração, de reflexão e de... sorrisos! É a encarnaçao da sabedoria bem-humorada! Essa entrevista não é uma entrevista, é um tributo ao mestre! Por isso pedimos esse “tom autobiográfico” nas perguntas e nas respostas, porque se aprende muito com a vida dos mestres! Com certeza MESTRE CARAMURU é muito mais que as palavras que aqui estão; os que tivemos/temos oportunidade de conviver com ele, bem o sabemos! Sua presença já nos inspira a brincar de tocar a vida em sua profundidade e na sua superfície. Convidamos o leitor(a) para mergulhar e flutuar nas palavras desse mestre, que, com carinho, compartilhamos.

CREARMUNDOS: É sabido que a História, ao retratar as origens das pessoas ou das sociedades, faculta-lhes avaliação mais consistente do que elas são e poderão ser, o que nos dará exemplos a serem seguidos ou rejeitados. Qual sua história, caro educador?

CARAMURU: Sou oriundo das caatingas interioranas da Bahia. Nasci de sete meses, com um quilo e oitocentos gramas de peso, fruto da segunda gestação de minha mãe. Por isso, meus pais tiveram que me enrolar em jornal, veículo de comunicação raro naqueles tempos e lugar, com a função inusitada de me manter aquecido e, portanto, vivo, a despeito do clima quente que lá reinava. Região de seca dominante, no dia em que vim ao mundo, chovia a cântaros, relampejava com miríades de raios temerosos, acompanhados de ensurdecedores e atemorizantes trovões. O céu enchia de tonitruantes fogos, e a terra, de desastrosas casas e árvores caídas.

Sob os auspícios dessa agitação fenomenológica toda, saí das entranhas de minha mãe, ao comando da parteira, que viria ser minha mãe de leite, Mãe Pulu, minha mãe preta. Na sala ao lado, estavam meu pai e o médico (clínico geral), que se aliviaram de suas ansiedades e incompetências, decorrentes dessas circunstâncias mundanas tão comuns, mas que afetam terrivelmente aqueles que lhes são emocionalmente ligados, os atos de nascimento. Por sugestão do médico, meu nome deveria ser Caramuru, cujo significado, para muitos, era homem do fogo, filho do trovão e senhor dos mares. Meu prenome passou a ser Fernando, e os sobrenomes, Bastos Fraga, sendo registrado no cartório: Fernando Caramuru Bastos Fraga.

Meu pai, Carlos Cardoso Fraga, era alfaiate e sapateiro; minha mãe, Cândida Magalhães Bastos Fraga, professora primária, bilíngüe, falando fluentemente o francês. Casando com minha genitora, meu progenitor obteve, ipso facto, o epíteto de "felipe", nome dado a quem esposava professora, que, como tal, recebia salários, numa época e local em que pouquíssimas pessoas eram assalariadas. Assim, "felipe" tornou-se, também, uma das, depois, inúmeras profissões de meu pai.

Dos irmãos, três nasceram em Riacho de Santana, quando, ainda crianças de tenras idades, nos mudamos, de carro de boi, para Bom Jesus da Lapa, levando dois dias para percorrer os setenta quilômetros de chão de terra, areia e lama. Nesta cidade, outros três irmãos nasceram, perfazendo ao todo seis: quatro homens e duas mulheres. Nela passamos nossa infância e adolescência.

Bom Jesus da Lapa era e continua sendo uma cidade de romaria de fiéis de Jesus Cristo, cuja imagem foi levada para uma gruta pelo eremita Francisco Mendonça Mar, mais tarde Francisco da Soledade. A gruta do Bom Jesus está localizada no morro de pedra calcária pontilhada de árvores verdejantes e habitada por macacos feios e lindas aves. Tem oitenta metros de altura e três quilômetros de extensão, contorna parte da cidade e tem uma porção de si banhada por um braço do Rio São Francisco, o rio da unidade nacional do Brasil. Sua população, de maioria negra e pobre, não ultrapassava seis mil habitantes fixos, mas, na época da romaria, que começava em maio e acabava em setembro, e chegava ao auge em seis de agosto, perfazia um montante flutuante de trezentos mil romeiros. Doentes que se curaram, doentes que iam buscar cura, vendedores de toda espécie e origem, mendigos, ladrões e assassinos de todos estratos, prostitutas de todas as idades, religiosos vários, crédulos e incrédulos de toda natureza, doutos e apedeutas faziam parte dela.

Bom Jesus da Lapa de minha mãe, que lia poesias pra mim, reunia meus amigos para ouvi-las, ouvi-los e dialogar com eles. De minha mãe, que, quando eu estava com três anos, me levou a Belo Horizonte, para ser examinado, pois, com aquela idade, ainda não conseguia andar. Feita a anamnese pelo médico, concluiu-se que eu não andava porque não era colocado no chão. E não era colocado no chão, porque minha mãe não queria que eu pegasse micróbios e doenças, já que meu irmão, nascido um ano antes de mim, morrera do mal de sete dias, tétano umbilical. Do meu pai que, embora só com a formação escolar de curso primário, tornou-se construtor de casas, como engenheiro e arquiteto; pioneiro na fabricação de telhas francesas, blocos de casas pré-fabricadas e tijolos especiais de construção; relojoeiro; advogado rábula, com muitas causas jurídicas e nenhuma perdida na instância da capital; consertador de rádio e televisão; abridor de cofres, cujos segredos se perderam; latifundiário; etc. Pai e mãe que nos permitiam, meus irmãos e eu, comprar, pelo reembolso postal, todos os livros que quiséssemos e ir a Brasília, acompanhando colegas para reivindicar reforma agrária. De Rita Alves de Sousa, madrinha (tratamento que ela exigia de todos nós, eu e os irmãos), empregada sem salário nem remuneração, que cozinhava para nós e de todos cuidava com exuberantes carinhos e dedicação, como se tomasse conta dos próprios filhos que nunca os teve nem desejou tê-los. Ela morreu com mais de noventa anos, e, até os dois últimos de vida, continuava cuidando de meus irmãos e de seus filhos.

Bom Jesus da Lapa das prostitutas, das quais, sobressaia Maria Gorda, que inaugurava os jovens lapenses nos preâmbulos da sexologia e do sexo, ensinando-lhes o usufruto do prazer com responsabilidade e respeito à mulher. Ela o fazia de graça e entendia tanto de sexo e de gente que, na propedêutica da iniciação dos jovens, educadora e pitonisa que era,lhes dizia: "Mostre-me o pênis que lhe direi quem é e quem será." Que se sabe, nunca se registrou um só engano dela nas profecias e diagnósticos.

Bom Jesus da Lapa de meus tios, amigos, primos, conterrâneos díspares, talentosos, sui-generis. Dos homossexuais, dos declarados e dos enrustidos, particularmente de Brigite, que, ao ser apresentado(a) a um homem, dava-lhe a mão dizendo "muito prazer", mas dirigindo o olhar para as partes genitais daquele. Dos loucos, dos explícitos, não dos camuflados, especificamente de Júlio Doido, que, surtado, exibia o membro descomunal, fazendo seu marketing pessoal: "Olha, olha, um 'parmo' e meio, fora o 'vermeio'!
Bom Jesus da Lapa dos sábios sem nenhuma escolaridade e muita poesia, como aquele velhinho que dava sua explicação do fato de não chover muito no Nordeste brasileiro: "Quando Deus foi distribuir as chuvas para o Brasil, chamou são Pedro e lhe disse: - No Nordeste, não precisa chover todo ano, não: basta um ano sim e outro não. Mas são Pedro era muito surdo e entendeu: um ano sim e oito não! Ou aquele que, sob chuva intensa, ficava embaixo de um juazeiro com sua família, inclusive com uma filha doente, alegando que não ia para sua casa, pelo fato de ela estar mal-assombrada. Abordado pelo patrão que lhe perguntava se, com aquela idade, ele não tinha vergonha de acreditar em assombração, ele, de pronto, respondeu-lhe:"Patrão, tudo que tem nome existe!"

Bom Jesus da Lapa da igreja católica, destacando-se o monsenhor Turíbio Villanueva Segura, que nos confessava, para que pudéssemos comungar. Certo de que ninguém poderia comungar sem que confessasse todos os pecados e se penitenciasse deles, exauria-nos de perguntas e penitências: "Praticaste 'mão no corpo' quantas vezes?" "Foi nos domingos e dias-santos?" "Então, a penitência é maior!" "Não tentes enganar a Deus, pois Ele te punirá, se não tu, um dos teus!"

Bom Jesus da Lapa das mortes quase que diárias, principalmente das crianças e dos pobres e negros, negros e pobres! Por que não morria gente dos ricos e da minha família? - Eu ousava me perguntar. Ao fazê-lo, não estaria desafiando Deus? O monsenhor disse que Deus, que lia o pensamento de todas as pessoas, me puniria ou a um dos meus! Meu Deus, por favor, não me mate nem a meu pai nem a minha mãe nem a meus irmãos! Eu rezarei dez padre-nossos, dez ave-marias, dez salve-rainhas. Dez não, vinte. Vinte não, cinqüenta. Cinqüenta não... Bom Jesus da Lapa das neuroses compulsivas, dos transtornos obsessivos-compulsivos!

Bom Jesus da Lapa das romeiras bonitas e incultas, paqueradas por todos meus colegas, menos por mim, que a timidez não deixava. Um dia, preparei-me para vencer minha timidez e também assediar. Dirigi-me a uma moça lindíssima de olhos verdes e pele de porcelana chinesa, caprichei nos vocábulos e na construção da frase, afinal a donzela merecia. Assim, disse-lhe: "Linda criatura que, se depender de mim, também será criadora, você, que reflete nos cabelos louros e sedosos as fímbrias do sol poente, permita-me, por favor, que a acompanhe e que meus olhos, sedentos dos seus, possam merecer um flerte?" E ela, meio sem jeito, me respondeu: "Cuma?"

Bom Jesus da Lapa, cidade cosmopolita, dos boêmios e artistas de todas as idades, cores da pele e estratos socioeconômicos, que me fez ser hoje, aqui e no mundo, o filho da criança e do adolescente que então e lá fui.

CREARMUNDOS: Sua ida para morar em Belo Horizonte, aconteceu em que época?

CARAMURU: Em Bom Jesus da Lapa, fiquei até concluir o ginasial, no Ginásio Bom Jesus. Até este receber autorização do governo para funcionar, a primeira turma, com quarenta alunos, teve aulas, no curso de admissão, por mais de um ano. De sua grade curricular, constavam, dentre outras disciplinas e atividades, Canto Orfeônico, Latim, Inglês, Francês e Grêmio Literário. Concluído o ginasial, o destino foi Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais, para fazer o curso científico. Inicialmente, morei na casa de minha tia Terezinha Bastos Arreguy, indo, pouco meses depois, para a casa de meu tio Sinésio Ribeiro Bastos, ambos irmãos de minha mãe.

Na rua Hervália, 105, do tio Sinésio, patriarca e revolucionário, e da tia Margarida Diniz Bastos, tia Guidinha, juntamente com oito primos, filhos do casal, e mais parentes de todos os graus que lá hospedavam constantemente, ao longo das semanas, meses e anos, além das dezenas de hóspedes dominicais, vivi dois anos. Num ambiente de muita solidariedade, confrontos fraternais e aconchego.

Fugindo do exército, no qual, por incidente totalmente lamentável, pois que, em decorrência dele, passei a ser considerado como insubmisso, refratário e desertor, destinei-me para a Bahia, para Caetité (terra natal do grande filósofo Anísio Teixeira) fazer o terceiro científico.Tudo começou quando, por ordem do sargento de plantão, todos os recrutas que no quartel, às cinco horas da manhã se apresentavam numa fila indiana, tiraram suas vestes, ficando inteiramente desnudos. A situação constrangedora culminou-se com a atitude indecorosa de meu colega de trás, que, desrespeitosa e indecentemente tangenciou-me nas nádegas com suas partes pudendas setentrionais. Intempestiva e abruptamente, joguei meu cotovelo para trás com muita violência, acertando-lhe a cara, o que degenerou em pancadaria, dando-me tempo, tão-somente, de pegar minha cueca samba-canção, vesti-la e sair correndo para casa.

Caetité, era considerada a princesa intelectual do interior baiano, embora paragem de muitos estudantes , pois abrigava mais de oitocentos de outras cidades, eivava-se por um tradicionalismo doentio. Ali passei um ano cursando o terceiro científico, enquanto aprendia o verdadeiro exercício de cidadania, ao namorar, discursar em praça pública contra as mesmices e estagnação de costumes, as hipocrisias reinantes, as alienações políticas. No ano seguinte, ainda estava por lá, aplicando, com maestria, o que havia aprendido, desta feita, como verdadeiro hippie, já que meu pai havia suspendido minha mesada.

Então, fui para Belo Horizonte, fazer vestibular de Medicina e de Educação Física. Medicina era minha aspiração profissional e desejo de meus pais; Educação Física, por recomendação de meu médico, porque seria conveniente para tentar curar minha asma. E, também, constituir-me para assumir o filho, cuja vida estava vicejando no ventre de minha namorada, cinco anos mais velha que eu.

CREARMUNDOS: E o retorno para Belo Horizonte, como foi?

CARAMURU: Voltei para casa de meu tio Sinésio, na Hervália, 105. Meu tio, até os cinqüenta e poucos anos, trabalhava como contador de uma grande firma atacadista de tecidos; quando resolveu fazer o Curso de Pedagogia, tornando-se professor de Sociologia de três faculdades.

Hoje, aos oitenta e três anos de idade, continua lecionando e, como sempre, encantando seus alunos e pares, concitando-os à prática de uma pedagogia revolucionária e emancipadora. O fórum das discussões sobre as questões da libertação humana de seu lar, com a participação de seus filhos, sobrinhos, amigos e agregados, estendeu-se para as faculdades, os bares, a maçonaria e os auditórios para onde reivindicavam suas palestras ou, até mesmo, para as praças e ruas.

(Abro um parêntese para comunicar algo que, por tê-lo iniciado, obrigo-me, embora a contragosto, dar-lhe continuidade, para que não haja lacuna causadora de incompreensão de minha História. Minha namorada de Caetité, menos de um mês depois de ter eu saído para Belo Horizonte, foi a Salvador , abortar o filho, acompanhada de um amigo meu, que, segundo se ventilava nas conversas reservadas daquela cidade, dividia comigo as atenções afetivo-amorosas dela. Feche-se o parêntese, por favor.)

Não consegui inscrever-me no vestibular de Medicina, por decurso de prazo, mas fiz e fui aprovado no de Educação Física, apesar das provas físicas.

CREARMUNDOS: Quando sua lide de educador começou a ser reconhecida como tal, já que somos todos educadores ao nos relacionarmos uns com os outros, quaisquer que sejam nossas profissões?

CARAMURU: Foi no segundo semestre do curso, quando recebi um convite (imediatamente aceito) para lecionar numa escola do Barreiro, bairro industrial de Belo Horizonte. No semestre seguinte, já era vice-diretor de turno do estabelecimento. De vice-diretor, fui alçado a vice-diretor geral e diretor substituto. No império do golpe militar, era comum o colégio ser invadido por policias, para prender professores e até o diretor geral. Numa das invasões, seqüestraram da biblioteca os livros de muitos autores tidos com comunistas, dentre os quais, os de Jorge Amado e Jacques Maritain.

Por um mês inteiro, ficamos sem noventa por cento dos professores, mas, nenhum dia letivo permaneceu sem aulas, já que tínhamos alunos preparados para serem monitores e capazes de ministrar aulas, dando seguimento aos programas. Nessa época, criou-se o Conselho Auxiliar de Disciplina e Orientação - COADOR -, constituído de alguns alunos de cada turma, eleitos por eles próprios, na proporção de um para cada dez ou fração. Foi uma tentativa bem-sucedida de autodisciplina e de representação discente da classe perante a escola.

Aos vinte e três anos de idade, casei-me. A lua de mel aconteceu no vapor Benjamim Guimarães, de volta para
Bom Jesus da Lapa, onde dei aula de Biologia Educacional e Fundamentos Psicológicos para alunas do Curso Normal; preparei fisicamente time de futebol; trabalhei em clínica médica, como laboratorista de análises clínicas e operador de raios X. Dois anos depois, estava de volta a Belo Horizonte, com uma filha de dois anos de idade. Com a idade de 38 anos e três filhos, dois do sexo masculino, tornei-me avô: cinco anos depois, me divorciei.
Lecionava em três estabelecimentos de ensino, quando me tornei diretor do Colégio do Sindicato dos Bancários por 26 anos, até que a sua entidade mantenedora resolvesse fechá-lo, por concluir não ser função de um sindicato manter escola. Houve up grade em minha lide educacional, quando passei a trabalhar, também, no Colégio Pitágoras.

Com a divisa "Participar para educar, educar para participar", o Colégio do Sindicato fez escola, pela inovação e vanguarda pedagógica. Acreditava-se lá ser a pedagogia da autonomia a melhor para uma prática educacional inclusiva, participativa e libertadora. Para tanto, as relações tinham de ser fomentadas, com a prática constante do princípio "de cada um segundo sua capacidade, a cada um segundo sua necessidade" e sob os auspícios da democracia. Os pilares democráticos de pluralidade, diversidade e controle mútuo eram imprescindíveis em todas as relações, das de salas-de-aula e reuniões às de corredores e pátios. Buscava-se educar integral e indistintamente todos os componentes das relações pedagógicas, a saber: alunos, pais, professores, funcionários e inclusos da comunidade em que se situava a escola. O processo educacional desenvolvido não deveria ter seu produto só para o "amanhã" e o "lá para fora", mas para todos os tempos e lugares, inclusive para o local e o momento em que se processava. Lá se produzia e se vivia educação, em que se cuidava dos conhecimentos e prática do: artístico, científico, filosófico, psicológico, sociológico, religioso, laico, sistemático e assistemático.

Ia-se do sincrético ao sintético através do analítico e da discussão. Nenhuma democracia se mantém como tal se não se resguardar pela instituição de um poder judiciário forte, legítimo e atuante. Por isso, criou-se a Carta Magna do colégio. Da elaboração e aprovação dela participaram alunos de todos os segmentos, pais, professores e funcionários. Afora os micros e invisíveis, destacavam-se os seguintes poderes influentes e instituídos do Colégio do Sindicato: Grêmio Estudantil, COADORes, Associação dos Professores, Associação de Pais, Associação do Bairro, Conselhos de Classe (que tinha, inclusive, participação de alunos e pais) e a entidade mantenedora do colégio, o Sindicato dos Bancários. Disciplinas práticas exóticas, como Realidade Psicossocial, Fundamentos Filosóficos, Psicológicos e Sociológicos, Dia da Reflexão, Dia do(a) Aluno(a) Diretor(a), Dia da Contestação e Parlatório da Contestação faziam de sua grade curricular. Não foi sem resistência que se cumpriram muitas propostas pedagógicas, e foi pela resistência ferrenha que muitas deixaram de ser realizadas.

CREARMUNDOS: Essa experiência nos parece especial e interessante, contemporânea e, seguramente, inovadora para sua época. Hoje, depois de tanto fazer e de tanto pensar, qual é o seu conceito de educação? E, na sua opinião, o que deverão as escolas fazer para enfrentar o século XXI?

CARAMURU: O animal adestrado se domestica. O homem é um animal que, pela educação, se humaniza. A essência do homem é o animal, o qual é humanizado pela existência. O homem é, pois, em geral, o que a educação faz e desfaz dele. Ele se amoriza e se racionaliza pela educação.
A educação se dá pela convivência na família, nas ruas e praças, nas instituições e centros culturais, em geral; na escola, em particular. Com Paulo Freire, acredito que "ninguém educa ninguém, como ninguém se educa sozinho; os homens educam-se em comunhão, mediatizados pelo mundo."

Assim, educação é a imersão do homem no mundo, mediante o acesso ao conhecimento dos componentes culturais de todos os matizes, por antípodas que estas sejam (e devam ser). Essa imersão deve privilegiar as relações dialógicas, dialéticas e cooperativas, facultadas pela comunicação máxima (quanto mais idiomas, melhor) entre os sujeitos que as exercerem, ocorrer face a face (sem, contudo, permitir que um indivíduo absorva o outro). Já que não há comunhão sem comunicação e vice-versa, é de se dizer que quem não se comunica se excomunga (e promove excomunhão).

Num mundo cuja explicação de seus nexos causais e entendimento de seus componentes e constituintes não vai, consistentemente, além de 1%, quem acha que tudo sabe nada sabe. Nesse mundo de conhecimentos linear (monológico) e não-lineares, não se pode excluir nenhuma explicação, venha de onde vier: da ciência, da religião, dos loucos, dos párias, do que for. Não se podem ignorar, nos processos educacionais, as conquistas já alcançadas pelas ciências nem seu potencial de outras, afinal a elas se deve o aprimoramento das condições de vida e o desta própria, embora muitas coisas deletérias, delas, também, venham ocorrendo.
Consoante o já dito aqui, sem mais muita delonga, gostaria de preconizar para as políticas educacionais de todo mundo o que, a seguir se explicita:

Que se decifrem e vivenciem, em cada escola do planeta, de forma eficaz e eficiente, além dos conteúdos disciplinas básicas, os chamados "Códigos da modernidade", divulgados pelo mundo afora pelo professor Bernardo Toro. São eles: o "Domínio da leitura e da escrita"; as capacidades de fazer cálculos e de resolver problemas, de analisar, sintetizar e interpretar dados, fatos e situações, de compreender e atuar em seu entorno social, de receber criticamente os meios de comunicação, a capacidade para localizar, acessar e usar melhor a informação acumulada, a de planejar, trabalhar e decidir em grupo. Do mesmo modo, o conhecimento científico em todas suas nuanças e interdependências.

Que se pratique, com aprofundamento histórico e teórico, em todas as instituições educacionais, a formação estética, em que os educandos aprenderiam a usufruir (e a se sensibilizarem para eles) os sabores e odores das produções naturais e humanas.

Que se alfabetizem as pessoas, independentemente das profissões que queiram exercer, em filosofia, sociologia, psicologia, política, antropologia, economia, ecologia, de maneira transdisciplinar e vivenciada.

Que se respeitem, em cada instituição, as caixas de ferramentas e de brinquedos do Nietzsche, de jeito a poderem conviver bem o instrumentalismo das disciplinas do conhecimento com o comportamento consumatório de brincar, que acaba em si mesmo, mais o fruir autêntico e prazeroso do viver e do existir.
Que a fé, por maior e necessária que seja, nunca cale as inteligências.
Que, com Martin Buber, construamos em todas relações, entre o Eu e o TU, os sentimentos e os substratos mais humanos e humanizantes, dentre eles, o amor e o espírito, além do Eu e aquém do Tu.
Sobremaneira, que haja trocas sustentáveis entre as pessoas e destas com a Terra, respeitando-se e mantendo-se as diferenças e identidades entre indivíduos, grupos, categorias e nações. Que a educação nos faça bem melhores no conviver, no fazer, no fazer-fazer e no ser. Assim na aldeia, como no universo, como cidadão daquela e homem deste: Uno e diverso, uno e verso.

CREARMUNDOS agradece a gentileza, a disponibilidade, o sorriso e o amor que nos brindou com a entrevista. Esperamos poder seguir com o diálogo com esse mestre em outras ocasiões. Por agora, somente recordamos a sabedoria daquele senhor que não entrava em casa no dia de chuva: Tudo que tem nome existe! Já que é assim, se o chamamos MESTRE CARAMURU, é porque assim o é e existe! ( para nossa alegria!)