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libros en una pared de madera

Literatura é nutrição criativa

Denise Bragotto
denibra@gmail.com

Para a poetisa brasileira Cecília Meireles (1979):"a literatura não é, como muitos supõem, um passatempo. É nutrição" Essa colocação me fascina há muito tempo, pois, desde tenra idade já sentia a magia das palavras através das histórias que os adultos me contavam. Esses momentos davam forma, substância, grandeza e cor ao mundo fantasioso que trazia na alma.

Os antigos húngaros tinham um vínculo muito particular com as histórias, pois seguiam uma tradição denominada "fazer-história", um momento em que os mais velhos estimulavam os mais jovens a criar contos, poemas e outras obras (Estes, 1994) Os velhos acreditavam que desta forma seria possível aferir se os jovens estavam aprendendo alguma coisa digna de ser aprendida. Sem dúvida, eles sabiam que pulsa nas letras um sentido revelador maior.

Compartilho da idéia de alguns autores que uma sociedade melhor passa por uma transformação na subjetividade das pessoas. Um dos níveis (Covre,1991) dessa transformação está conectado com a viagem poética e artística, apontada como um dos caminhos que permite o rompimento cotidiano do homem com as trevas da alienação.

Através da livre expressão, em todas as formas de arte, e especialmente na literatura, seja produzindo ou se nutrindo desta arte, é possível ampliar a consciência sobre a realidade, facilitando o rompimento com as máscaras sociais, com os condicionamentos e o conformismo que nos fazem esquecer nossas origens, ou seja, nossa identidade real.

Os escritores são testemunhas de seu tempo e criam a partir de uma concepção particular do mundo. Frederico Garcia Lorca escrevia como forma de protesto num mundo cheio de injustiças; Aldous Huxley pela necessidade de ordenar os fatos e dar sentido à vida; José Saramago, para compreender; João Cabral de Melo Neto, como uma maneira de se completar, como se a poesia preenchesse um vazio existencial; Octávio Paz, para dizer o não dito e conhecê-lo. (Brito, 1999)

Dentre inúmeros verbos, alguns como o verbo ler, amar e sonhar não suportam imperativo (Pennac,1993) poderíamos pedir: - "Me ame!" "Sonhe!" "Leia!" mas, certamente o resultado seria nulo. Há verbos que exigem vivência, namoro, aproximação e desejo. Sendo assim, o livro passa a ser um veículo capaz de criar uma identificação e uma espécie de cumplicidade entre quem o produz e quem o consome, como se o autor fosse um "chef " que escolhe o menu e combina as especiarias de forma muito peculiar e essa habilidade seja capaz de encantar e nutrir o outro. A escolha de cada palavra, de cada frase, o tom mais adocicado, cítrico ou apimentado revelam a visão do "chef "sobre a essência que vibra no núcleo de cada cena, de cada objeto, de cada ser, de cada abstração. Assim como o artesão escolhe a sua matéria prima, o escritor escolhe as letras que animam a sua sensibilidade.

Sob a ótica pessoal, os textos poéticos me parecem ser o tipo de linguagem mais sedutor. Parecem falar diretamente ao coração, talvez por isso tenham uma articulação vivificadora, apaixonada e envolvida com o processo existencial, explorando o visível e o invisível, o palpável e o intangível do objeto rechaçando emoções rasas, avolumando dores, alegrias e quimeras e refinando o espírito.

A quebra do discurso lógico e linear facilita o ato reflexivo (Guerra, 1983) a medida que exige uma observação ampla e perspicaz das palavras e de suas relações nos mais diferentes contextos, criando um certo estranhamento que se procura desvendar, despertando a emoção e a possibilidade de reconstrução da realidade, afinal o material do poeta é ele mesmo e o seu mundo

"Continuo trabalhando com os materiais que tenho e com o que sou. Sou onívoro de sentimentos, de seres, de livros, de acontecimentos e lutas. Comeria toda a terra. Beberia todo o mar"(Neruda, 1985, p.268).

Ao contrário do que muitos pensam, a escrita poética não está comprometida com o devaneio ou com a falta de compromisso. Esse tipo de escrita é uma lente, através da qual se pode fazer uma leitura do mundo, como sugere Rilke

"...se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo diga, consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas." Rilke (1995, p.23)

Segundo Guerra (1983) infelizmente, no Brasil a escola não tem explorado e aproveitado o poema devidamente que deveria ser estudado como um todo onde se integram: som, ritmo, sensações, imagens, idéias e pensamentos, pois está nele o Homem diante de si e de seu universo. Talvez ainda não exista aproveitamento do poema devido à própria dificuldade do trabalho com esta forma literária e por não haver uma orientação sistemática quanto à sua adequada utilização. No entanto, creio que não se trata apenas da escola. O desenvolvimento do ser poético pode e deve ocorrer em todas as esferas da atuação humana, seja nas empresas e instituições diversas, pois o refinamento da sensibilidade é sempre desejável em qualquer área e nível de relacionamento. Afinal, muitas vezes a expressão tem valor de exorcismo porque consagra a resolução de estar apta a ver e a não se abandonar. Falar, escrever e se expressar é ir além da crise, ainda que apenas se reviva a dor (Gusdorf, 1970).

"Meus fantasmas não foram mais
do que os medos que se aleitaram nos meus seios,
os haveres que abandonei no berço,
e os momentos que não vivi" (Bragotto, 1995, p.13)

Através de minha experiência como escritora e dos trabalhos realizados com outras pessoas junto à Escola de Poetas, percebi que a literatura é um meio de nutrir a vida criativa, de revigorar os desejos e sonhos e de não tornar a alma faminta e ressecada. Creio que os livros representam uma forma de robustecer os olhos diante do mundo, ou seja, eles mostram às pessoas a beleza que os olhos nos podem dar, no sentido mais profundo, para que a vida não seja apenas a encenação de um grande drama da humanidade" (Bragotto, 2003). Mas, quem seriam os poetas? "Todo sonhador inflamado é um poeta em Potencial" (Bachelard,1989)

Diria que escrever é um ato solitário que aguçou-me a audição de tal maneira que passei a ouvir o canto sonoro e sagrado do sábio que me habita a alma. É ele quem protege o vínculo com o significado profundo da vida, dando um sentido espiritual à minha existência. (Bragotto, 1998)

Esse velho sábio ensinou-me que poesia é alquimia, pois quando derramada sobre as feridas torna-se um bálsamo curativo. E, quando derramada sobre os sonhos, infla-os magicamente, a ponto de plantá-los na realidade externa. Nesse processo adquire-se soberania interna e resignada sabedoria para aceitar a maestria da vida afinando a voz com a exatidão de seus acordes. Bendita literatura que se fez bálsamo!

 

REFERÊNCIAS

Bachelard, G. (1989) A Chama de Uma Vela. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
Bragotto, D. (1995). Decolagem. Limeira. Editora Revista Cidade.
Bragotto, D. (1998). Plenitude. Campinas: Copola
Bragotto, D. (2003). Escola de Poetas: em busca do cidadão criativo.Campinas:Komedi
Brito, J. D. (1999) Por que Escrevo? SP: Escrituras
Covre, M L. M.(1991) O que é Cidadania. São Paulo: Editora Brasiliense
Estés, C. P.(1994) Mulheres que correm com os lobos. Rio de Janeiro: Rocco
Guerra, E.E.B. (1983). O Poema e a Leitura do Mundo. Dissertação de Mestrado
apresentada ao Instituto de Biociência, Letras e Ciências Exatas da Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Campus de S.J. do Rio Preto.
Meireles, C. (1979) Problemas da Literatura Infantil. SP: Summus.
Neruda, P. (1985). Confesso que Vivi. SP: Difel.
Pennac, D. (1998). Como um romance. RJ: Rocco
Rilke, R, M. (1995) Cartas a um jovem poeta. SP:Globo

Sobre a autora
Denise Bragotto é poetisa brasileira, autora de vários livros. Foi presidente da Academia Feminina de Letras e Artes da cidade de Jundiaí- SP -Brasil e atual vice-presidente.

Doutoranda em Psicologia pela PUC-Campinas (SP- Brasil) e Especialista em Criatividade. Membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Criatividade e Inovação (Criabrasilis).

Site pessoal: www.escoladepoetas.com.br

Email: denibra@gmail.com